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Acordo de acionistas pode pôr em xeque controle diluído na Eletrobras

 

Acordo de acionistas pode pôr em xeque controle diluído na Eletrobras
Foto: Fernanda Capelli


Caso o ministro Paulo Guedes (Economia) consiga emplacar a sua primeira privatização, vendendo o controle da Eletrobras à iniciativa privada, os acionistas da maior empresa de energia elétrica do país passarão a ser sócios de uma corporation, expressão em inglês para as empresas cujo controle é pulverizado.
 

Resultado do processo de capitalização, em análise no TCU (Tribunal de Contas da União), a mudança marcaria a saída do controle da companhia das mãos da União, hoje responsável pela maioria das indicações para o conselho de administração.
 

Especialistas ouvidos pela reportagem divergem sobre os principais efeitos da mudança na estrutura societária da estatal responsável por gerar um terço da energia do país, dona de 56 mil quilômetros de linhas de transmissão, equivalentes a 40% do total existente no sistema elétrico nacional.
 

O consenso entre esses especialistas é que, do ponto de vista da gestão, a empresa certamente ganhará agilidade para poder se tornar mais eficiente, cortando custos, já que estará livre das limitações impostas pela legislação que regula as compras via licitações. Ou das leis trabalhistas com maiores garantias do funcionalismo público.
 

Para alguns, no entanto, não é possível descartar —tampouco criticar a priori— que ocorra com a Eletrobras privatizada um processo semelhante ao que ocorreu com a Vale, que depois da privatização passou a ser controlada por meio de um acordo de grandes acionistas, com participação da União via fundos de pensão de estatais e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por intermédio da Valepar.
 

A Valepar nasceu de um acordo de acionistas envolvendo Bradesco, Mitsui e os fundos de pensão da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobras e Cesp (Companhia Energética do Estado de São Paulo), tendo sido formalmente extinta em agosto de 2017.
 

No caso da Eletrobras, a mudança ainda não está garantida. O controle da empresa poderá mudar caso o governo federal consiga o aval do TCU para realizar a capitalização da companhia, vendendo ações na B3, a Bolsa brasileira sediada em São Paulo, e na Bolsa de Nova York.
 

Pelo modelo proposto, a União não entrará com recursos na capitalização. Reduzirá assim a sua participação a no máximo 45% do capital da empresa, abrindo mão do controle.
 

As novas regras também propõem um limite máximo de 10% para as ações ordinárias, com direito a voto, para cada acionista ou grupo de acionistas.
 

Professora da Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo) da FGV (Fundação Getulio Vargas), Cláudia Yoshinaga considera positivo o conceito de equidade que está por trás da ideia.
 

"O controle diluído é algo favorável por ser possível tentar buscar uma equidade em relação aos acionistas controladores. A rigor todos são acionistas, mas, quando fica desproporcional o poder dos majoritários, criam-se desigualdades, o que pode ser perverso", avalia Cláudia.
 

Como outros especialistas, ela cita o caso dos EUA, onde as maiores empresas de modo geral possuem controle diluído.
 

"O modelo norte-americano é o da propriedade pulverizada, com participações muito pequenas, de um dígito, menos de 10% do capital da empresa. Nesse aspecto, os EUA estão melhores do que nós. O problema é que a autonomia do CEO [presidente-executivo] seja maior por falta de supervisão", diz ela.
 

Também por uma questão de equidade, a professora da FGV diz ser contra as chamadas golden shares, por meio das quais um acionista —no caso da Eletrobras, a União— detém em geral poder de veto sobre temas considerados essenciais no negócio, variando de caso a caso.
 

"A golden share é ruim, do ponto de vista da governança, por tratar os acionistas de forma desigual. Nesse caso [da Eletrobras], é o governo que argui ter superpoderes, o que acaba por criar distorção", diz Cláudia.
 

Especialista em direito societário, Bernardo Portugal, professor da Fundação Dom Cabral, menciona o caso de escândalos envolvendo grandes empresas norte-americanas, no fim da década de 1990 e no início dos 2000, que serviram de base para uma legislação mais rigorosa.
 

"Ficou provado que administradores que deveriam ter lealdade em relação aos interesses da companhia e dos acionistas usaram informações, manipularam contabilidade, faturamento, para pagar bônus maiores, adulterando a finalidade da companhia", diz Portugal.
 

Ele é um dos que consideram possível haver um acordo de acionistas, no caso da Eletrobras, o que não iria contra as regras do mercado.
 

"O acordo de acionistas é previsto na Lei das S.A., segundo a qual precisa haver uma cópia arquivada na companhia. E o acordo terá de ser anunciado quando houver uma assembleia", diz Portugal
 

Para o economista Ricardo Machado Ruiz, professor do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), no caso da Vale, o acordo de acionistas, que se encerrou em 2017, permitia maior coesão e coerência à gestão estratégica de crescimento de longo prazo.
 

"Hoje existe uma dúvida sobre a possibilidade de a empresa [Vale] estar sofrendo um processo de financeirização e executando uma estratégia de expansão conservadora com pouco ímpeto no desenvolvimento de novos mercados e ativos mineradores. Ou seja, a empresa estaria virando um ativo gerador de caixa de curto prazo, perdendo a perspectiva de crescimento de longo prazo", avalia Ruiz.
 

Ele lembra que um projeto de uma mina pode levar cinco anos entre a decisão de investimento e a instalação e com a operação e retorno do investimento ocorrendo ao longo das décadas seguintes. "Esses conflitos decorrentes da fragmentação de acionistas não precisam necessariamente ocorrer. Mas podem ocorrer quando existe uma dispersão de interesses e fundos sem grande comprometimento com a empresa no longo prazo", diz ele.
 

Ruiz não descarta um acordo de acionistas, no caso da Eletrobras, semelhante ao que ocorreu na Vale até 2017. "Lembrando que um acordo de acionistas não é necessariamente ruim, nem a dispersão é necessariamente boa", avalia.
 

De olho no calendário, o analista Giuliano Ajeje, do banco de investimentos UBS, destaca que um dos problemas no calendário apertado para privatizar a Eletrobras tem a ver com uma regra da norte-americana SEC (Security Exchange Comission), responsável por regular as ações negociadas nos EUA e equivalente à CVM no Brasil.
 

Pelas regras da SEC, o aumento de capital precisa ser concluído no máximo 134 dias depois do último dia do balanço mais recente, o que significa folh13 de maio.
 

"Se perder essa janela, significa que o processo irá acontecer depois de junho, ficando mais próximo das eleições. Calendário eleitoral pode aumentar o risco da operação", diz Ajeje, do UBS.
 

Antes, porém, terá de vencer as resistências no TCU. E um ponto crítico tem a ver com as datas acima.
 

Quando foi publicado o balanço de 2021, que está servindo de base para a definição do preço da ação para a capitalização, as ações da empresa custavam cerca de R$ 33. Nesta sexta-feira (22), eram negociadas a R$ 43, com uma diferença de 30% que poderia ser questionada judicialmente.



por Luiz Antonio Cintra | Folhapress

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