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O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) começou a aplicar decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e tem determinado a penhora de salário e aposentadoria do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para o pagamento de dívidas.
Em abril, o Tribunal Superior decidiu que salários de qualquer valor podem ser penhorados para quitar débitos. Antes, a penhora valia apenas para renda acima de 50 salários mínimos (R$ 66 mil atualmente).
Em ao menos três decisões às quais a Folha teve acesso os desembargadores determinaram percentuais do rendimento salarial ou da aposentadoria que podem ser penhorados, que variam entre 10% e 15%, mas podem chegar a 30% da renda.
Em um dos casos, os desembargadores confirmaram o desconto de 30% sobre a aposentadoria do trabalhador, condenado por improbidade administrativa. O entendimento foi de que a subsistência da família não seria afetada, já que o cidadão continuaria a receber 70% da renda do INSS.
Além disso, a pessoa que foi processada tinha outros empregos. Um deles como técnico de raio-X em hospital no interior do estado de São Paulo, e ainda recebia outro benefício pago pela SPPrev (São Paulo Previdência). A renda líquida do profissional oscilava entre R$ 5.000 e R$ 8.000 mensais, diz parte do processo.
O desembargador responsável pelo caso determinou que o INSS fosse comunicado para realizar o desconto de 30% diretamente na folha de pagamento do benefício e depositar o valor em uma conta judicial. "O desconto perdurará até o pagamento integral do débito", diz a decisão.
O advogado Antonio Nachif, especialista em resolução de conflitos do escritório Dias Carneiro Advogados, diz que o entendimento do STJ que permite a penhora não é válido apenas para os salários pagos em contratos com carteira assinada, ou seja, pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e pode ser aplicado sobre a renda de trabalho autônomo, assim como sobre as aposentadorias.
O especialista explica ainda que é preciso, antes, buscar por outros bens penhoráveis, além de garantir os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade para não comprometer a sobrevivência de quem é processado. "Se você tem uma forma menos grave de penhorar, tem que seguir essa forma", afirma.
"Tem que ser uma proporção do salário de modo que a pessoa consiga viver, um percentual que se apura caso a caso", diz ele.
A advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), afirma que as decisões do TJ estão na linha do que determina o Tribunal Superior. Segundo ela, em um dos casos que atendeu, o cliente teve a aposentadoria do INSS penhorada para pagar uma dívida trabalhista jurídica de sua empresa.
"Se o STJ decidiu que pode penhorar de qualquer pessoa, qualquer que seja a natureza do salário, isso inclui também benefício previdenciário", diz.
Para Adriane, a Justiça precisa analisar cada caso, conforme a renda do aposentado e suas condições de sobrevivência. "Tem que ser analisada a situação individualizada, porque pode ser que a pessoa só tenha como renda a aposentadoria, não tenha outra fonte, e o desconto no benefício para pagar dívida pode ter consequências na subsistência da família."
Rômulo Saraiva, advogado especializado em Previdência e colunista da Folha, afirma que está havendo uma movimentação da Justiça para acabar com os efeitos da chamada impenhorabilidade absoluta dos salários, que impede a penhora desse tipo de rendimento até determinado valor.
Segundo ele, em Pernambuco, onde atua, decisões judiciais também têm seguido o STJ e determinado penhora de aposentadorias. "Hoje os credores têm conseguido sucesso -em decisões cada vez mais comuns Brasil afora- em penhoras de 10% a 30% dos valores de aposentadoria."
"Eu entendo que essa possibilidade de penhora deve ser vista com parcimônia", afirma.
A análise caso a caso tem sido feita pelo TJ-SP. Em outra decisão, os desembargadores negaram a penhora de qualquer percentual de aposentadoria de uma segurada do INSS que recebia dois salários mínimos. O pedido de penhora havia sido feito por uma empresa de móveis devido a uma dívida de R$ 6.000.
Nachif afirma que o cidadão precisa se defender no processo, provando que terá dificuldades de subsistência.
OUTROS CASOS
Em uma das decisões, de 17 de maio, a Câmara de Direito Privado do TJ-SP aceitou parte do recurso do devedor e reduziu a penhora de 30% para 10% da renda bruta.
"O percentual postulado pela agravante é excessivo [30%]. É mais factível estabelecer a penhora em 10% sobre a remuneração bruta, visto que, certamente, o saldo líquido da remuneração do agravado ficaria prejudicado para fins de sobrevivência caso deferido o abocanhamento de tamanha fatia de seus rendimentos [30%]", diz trecho da decisão.
Em um outro processo, o órgão também diminuiu a fatia a ser penhorada de 30% para 15%. No entendimento dos desembargadores, diminuir o percentual atende aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, sem prejudicar a subsistência do devedor, tratando-se de "percentual modesto e que não prejudica a sua subsistência".
No caso julgado, o trabalhador exerce o cargo de assessor parlamentar, com salário líquido mensal de R$ 12.091,95. O profissional já havia tido bloqueio parcial de outros valores pela dívida, que chega a R$ 272 mil.
ESTUDANTE TEM CONTAS BLOQUEADAS POR DÍVIDA COM FACULDADE
Uma dívida com a faculdade após ser bolsista da pós-graduação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) levou a revisora de textos Luciana Mendonça, 44 anos, a ter suas contas bloqueadas por determinação da Justiça.
Luciana ingressou na PUC em 2017 para cursar mestrado. Na ocasião, conseguiu bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de R$ 1.500, que era repassada integralmente para a PUC. O restante era custeado pela universidade.
"Eu tinha 24 meses para terminar o curso, período de validade da bolsa. Se eu precisasse de mais tempo para finalizar o curso, deveria arcar integralmente com os valores. Foi o que aconteceu, não terminei a tempo e ficou faltando pagar duas mensalidades no semestre", diz.
Hoje, essa dívida está em R$ 24 mil e, no início de junho, a profissional recebeu a informação de que valores depositados em sua conta jurídica de MEI (Microempreendedor Individual) serão bloqueados. Em março de 2022, no entanto, R$ 500 que estavam em uma conta-poupança foram bloqueados para pagar a dívida.
"Em março do ano passado, fiquei desempregada. Tinha acabado de receber o salário da empresa que fui demitida. Os R$ 500 que havia em uma conta-poupança para pagar dívida e remédios de uso controlado foram bloqueados. Recorri à Defensoria Pública, que pediu a devolução desse dinheiro, mas não conseguimos", afirma.
Segundo ela, a PUC chegou a procurá-la para fazer acordo, mas por trabalhar como pessoa jurídica, não havia condições. "Estou sempre em vaivém de empregos. Hoje, o que posso pagar são R$ 350 por mês."
Para sobreviver, tem recebido os rendimentos pelos serviços prestados em uma conta de uma amiga. "Estou usando a conta de uma amiga, mas a vida financeira hoje é quase toda digital, o que vem causando muitos transtornos. Não poder usar uma conta porque tem medo de não conseguir se manter por uma dívida estudantil é extremamente humilhante."
A assistente social Priscila Santos Silva, 41, contou com bolsa da PUC-SP na faculdade. Ela tinha desconto de 30% e pagava R$ 498 de mensalidade entre 2003, quando ingressou, e 2009, quando concluiu a graduação.
A profissional não teve contas bloqueadas, mas recebeu recentemente o aviso de que os bens terão bloqueio. Em seu caso, o processo foi aberto contra o pai, fiador do contrato, que já morreu. Segundo ela, todas as tentativas de acordo foram ineficazes. "Houve proposta de pagamento sem os juros, que não foi aceito." A dívida hoje está em R$ 130 mil.
Em nota, a PUC afirma que oferece bolsas de estudo integrais e parciais em todos os cursos. Hoje, 22% dos alunos são bolsistas na cota de filantropia. A universidade diz ainda que os estudantes com débitos contam com o núcleo de conciliação e cobrança no qual os estudantes, "dentro de critérios financeiros e acadêmicos", podem negociar.
Segundo a instituição, ações de cobrança são propostas como último recurso, "por dever de ofício", e sempre há audiências em que se tenta a conciliação. O percentual dos que têm o pedido de penhora de bens chega a 3%, afirma. "Boa parte deles só procurou a instituição após o juiz ter determinado a penhora", diz a nota.
Por Cristiane Gercina | Folhapress